sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O meu Natal de arroz!

No centro da cozinha, sobre a pedra granítica que foi mó de moinho, as torgas estavam ao rubro. Pendente nas cadeias que desciam do caniço, a caldeira do arroz-doce esperava pelo calor final. Estava quase. As emoções de que hoje me fala Ferran Adriá já habitavam o meu corpo: Ao rubro estava também a minha boca. A impaciência para provar o arroz consumia-me. E aquele Natal vinha mesmo a calhar. A última vez tinha sido na festa de São Miguel . Nos potes havia mel e azeite: Nas arcas, farinha e grão de milho e centeio. Havia leite e ovos. Mas, por vezes, não havia carteira. O tempo também era outro e duro. Naquele Natal, o arroz-doce era a meias com a prima Rosário. Pronto, chegara a hora de distribuir aquele mimo pelos pratos. Um seria para ser provado: por nós, eu e minhas irmãs, e pela prima Rosário. Com o prato ímpar na mesa, estava tudo a postos. Cada um com a sua colher e… de repente, no silêncio escuro da noite, alguém começou a cantar as Janeiras, ali ao pé da porta (na aldeia habitualmente as Janeiras eram cantadas nas antevésperas do Natal até ao dia de Reis). Não havia sol, não havia lua e os presidentes ainda não tinham “dado à Luz” – logo a escuridão era total. Mas, mesmo assim, a Rosário e duas das minhas irmãs correram para a janela “para dar fé”, pois de certeza que não conheceriam ninguém. Eu e a minha irmã mais nova ficamos na mesa e, com serenidade, começamos a provar o arroz, com tal empenhamento e concentração na prova que, alguns segundos depois, quando a excursão voltou da janela, o prato de arroz-doce já era… A prova ficara feita! Para prova já não haveria mais. Daí em diante só a matemática…

13 comentários:

Anónimo disse...

Boas Festas!

Bem hajas por continuares a recordar-me/nos, com textos "certeiros", o Sobral da nossa infância. Naquele tempo havia muita "crise", mas era controlada pela economia familiar: o arroz-doce era nos dias próprias, a carne de cabra era nos dias próprios, os bolos eram nos dias próprios, até os bancos eram "próprios" todos os dias.

Anónimo disse...

Então e depois... não levaram do "outro" arroz?
Espero que o espírito Natalicio tenha prevalecido... e bem-haja pela partilha da recordação.
Gostei muito!

zef disse...

Nos sítios de eu menino, não se sabia o que é arroz doce! Vergonha!
As coisitas que havia seriam nadica de nada ao lado deste arroz que só conheci por estes lados e descanse a minha sogra abençoada que o fazia tão bom, com leite cabra!

As outras irmãs e Rosário entenderam que há dias para se ficar quieto? Arroz doce à luz da torga...
Um abraço

famel disse...

Suponho que seria arroz doce com leite de cabra...

sobralfilho disse...

Fernando Pinto,

Bons olhos te vejam!
E até tu comentaste no dia "próprio".
Um abraço e Bom Ano.

sobralfilho disse...

Mariita,

Não, não levamos do "outro" arroz! Nem era necessário haver "prova": A receita já tinha sido testada em sucessivas gerações. E para mais, se nós éramos os "guardadores" das cabras, seriamos...os "donos" do leite de que foi feito o arroz doce!

sobralfilho disse...

Oi, Zef,

"Não me digas semelhante tal", no Norte não se fazia arroz doce?

E não é que o "meu" também era de leite de cabra!...

Um abraço

sobralfilho disse...

Hei! Famel,

Acertaste. Acertaste?
Como é que tu adivinhaste?...

(Já há alguma novidade do assunto "sobreiras"?)

Anónimo disse...

Pois é claro e com toda a justiça!

O Norte,tem mais tradição na aletria.

famel disse...

Um arroz doce para ser mais que bom tem que ser feito com leite das cabras! Pelo menos no que toca aos meus gostos...e sei que muitos partilham este gosto :)

Quanto às sobreiras o assunto foi remetido para a DRABI, m já lá vão 3 semanas que foi remetido e nada....

sobralfilho disse...

Mariita,
Tem tradição. E rima com alegria...

Fanmel,
Sim, é o melhor.

DRABI é uma árvore em extinção!

(sem dinheiro e recursos humanos não há fruto)

famel disse...

Vim aqui lavar as vistas nesta bonita foto do arroz doce...Matar o desejo com os olhos lol

Também acho que vou ter que virar-me para outra "árvore" e voltar ao inicio neste processo, que está a ser longo!

sobralfilho disse...

Olá, Famel
De facto, também me sabia bem um pouco de arroz doce feito com leite de cabra.