sexta-feira, 25 de abril de 2008

Quanto mais negra é a noite...


Quanto mais negra é a noite, mais perto está a alvorada”

(Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz, 1991)

sábado, 12 de abril de 2008

O PÃO


O PÃO

Disse-te, Platero, que a alma de Moguer é o vinho, não foi? Não; a alma de Moguer é o pão. Moguer é como um pão de trigo, branca por dentro, como o miolo, e dourada à volta – oh, sol moreno! – como a branda côdea.
Ao meio-dia, quando o sol queima mais, a aldeia inteira começa a fumegar e a cheirar a pinheiro e a pão quente. Abre-se a boca a toda a aldeia. É como uma grande boca que come um grande pão. O pão vai bem com tudo: com o azeite, no gaspacho, com o queijo, com as uvas, para dar sabor a um beijo, com o vinho, com o caldo, com o presunto, com ele mesmo, pão com pão. Também sozinho, como a esperança, ou com uma ilusão…
Os padeiros chegam a trote nos seus cavalos, param a todas as portas meio abertas, batem as palmas e gritam “Padeeeeeirooooo!”… Ouve-se o ruído meigo dos pães que, ao cair nos cestos, que braços nus levantam, chocam com os bolos, das fogaças que chocam com as roscas.
E logo os meninos pobres chamam às campainhas das cancelas ou às aldrabas dos portões, chorando longamente lá para dentro: Um bocadinho de pão!...

(Juan Ramón Jiménez, Platero e Eu, Edições Cotovia, Lda., 2007)


sexta-feira, 11 de abril de 2008

SIBILA – AO RECÉM NASCIDO




Marina Tsvetáeva
SIBILA – AO RECÉM NASCIDO

Aperta-te ao meu peito
Meu menino:
Nascer é uma queda nos dias.

Das rochas de além-nuvens, de nenhures,
Que baixo caíste,
Meu menino!
Eras espírito, pó te tornaste.

Chora, meu menino, por eles, por nós:
Nascer é uma queda nas horas!

Chora, meu menino, no futuro e além:
Nascer é uma queda no sangue,

No pó,
Nas horas…

Onde os clarões dos milagres?
Chora, menino: o nascer para o peso!

Onde as jazidas da generosidade?
Chora, meu menino: o nascer para a conta,

Para o sangue,
Para o suor…

Mas hás-de erguer-te! O que no mundo se chama
Morte – é queda no firmamento.

Mas verás! O que no mundo – se diz pálpebras
Cerradas – é nascer para a luz.

Do agora –
Para o sempre.

A morte, pequeno, não é dormir, é erguer-se,
Não é dormir, é regressar.

A nado, pequeno! Já um degrau
Foi galgado…
- Ascensão para o dia.

(Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia, 1922-1925, Relógio d’Água Editores, Novembro 2001),

quinta-feira, 3 de abril de 2008

POETAS DO SOBRAL

OUTRORA O SILÊNCIO DA CIDADE diariamente sentíamos a força das palavras caírem sobre nós tinham um sabor repetido nas estátuas e era inútil gritar as leis que nos regiam ou mesmo sofrer o sol que nos queimava silenciosamente as mãos construíam a única linguagem possível desse tempo contavam histórias antigas com sabor a saudade ─ histórias e nada mais muitas vezes quisemos contar das pessoas sinceramente a terra que pisavam. ─ pois porque não? mas era doloroso sentir uma aragem fria entranhar-se nos ossos ou a profundidade do silêncio alojado nas coisas compreendemos então um clima de morte na cidade e antes que secassem as árvores sentimos a urgência de partir Carlos Ortil (Publicado no JUVENIL, suplemento literário do Diário de Lisboa Nº. 648, em 18/11/69)