segunda-feira, 28 de junho de 2010

NUMA PAREDE BRANCA....

Covilhã - Maio de 68 a arte trepava numa parede branca.

sábado, 12 de junho de 2010

AS CHOURIÇAS DO (MEU) SANTO ANTÓNIO

Aquela figura de homem estava sempre ali. No altar. No altar de Santo António. E o meu lugar, no sopé do altar, também era ali. Aos domingos. Sentava-me naquele comprido degrau de madeira, que o meu pai e meu avô aproveitavam para poisarem os seus chapéus, enquanto durava a Missa.
Contava o meu avô que o Santo António fazia muitos milagres: Quando novo e se chamava Fernando, era um excelente guardador do milho que o seu pai – muito rico – secava ao Sol nos estendedouros, lá para o lado dos Olivais, em Coimbra. Que não atirava pedras, bastava-lhe umas palavras ou uns gestos e os pardais fugiam logo (Eu ficava pensativo. Pois, o milho ou melhor o grão que eu conhecia não cabia na boca dos pardais. Portanto não era avaria nenhuma ele guardar bem o milho. Eu queria vê-lo era no “meu” estendedouro do Ribeirinho, guardar o milho das galinhas que andavam em liberdade pela Aldeia). Guardava os olivais. Pregava também aos peixes e, um dia, já em Roma, ou em Pádua, em plena pregação, foi santamente avisado que o seu pai estava prestes a ser condenado à forca por um crime que não tinha cometido. Interrompe por instantes o sermão, agarra da sua capa e atravessando montanhas chega rapidamente ao Tribunal, onde depois de se terem deslocado ao cemitério e ter feito falar o morto, prova a inocência do seu pai.
Vendo bem, por estas e por outras, olhava aquele Santo e achava-o simpático. Para já, era António (o meu nome). Um bocado careca, com um menino ao colo e um livro… Que livro seria aquele? O da sua 1ª. Classe ou o livro da sabedoria de que me falavam na Catequese? Um mistério para mim… Ali sentado, eu nunca estava com atenção ao que se dizia na Missa! Ora me coçava, ora virava as costas ao Altar-Mor, ora ao Santo António – que era o mal menor, pois de tantas vezes que ali ficava ao pé dele já éramos, na verdade, grandes amigos e além do mais ele era um Santo. No fundo, até estava um bocado vaidoso por sermos amigos e vizinhos e até facilitava a passagem das mulheres que todos os Domingos lhe ofereciam prendas. Para terem acesso ao altar, essas mulheres passavam rente a mim e tinha mesmo que facilitar a passagem por que se não corria o risco de me pisarem – eu era tão pequenito! De facto, o patrono da Aldeia era (e é) o São Miguel, mas quem tinha o proveito na verdade era o Santo António que era naquele Temp(l)o o Santo mais rico: Aos Domingos, o altar enchia-se de pratos com queijos frescos e curados, malgas de milho e de feijão, ovos, frascos de mel, azeite, galos, morcelas, chouriças das grandes e das pequenas. E isto porque tinha feito as vontades das mulheres da Aldeia: “Ai vizinha eu pedi ao Santo António que me curasse o meu porquinho. Tem um monte de cabelos na garganta, é um câncer de certeza. Se me ouvir hei-de dar-lhe uma chouriça do tamanho do meu Manel” disse a Antónia; “Não digas mais nada, eu também tenho que lhe dar uma dúzia de ovos, não é que a minha galinha pedrês passou a pôr ovos com duas gemas, vê lá tu… isto é um milagre de certeza” disse a Tiá-Amélia; E constava-se que a Tiá-Ermelinda ir dar-lhe um cabrito. Ela só tinha seis cabras e andavam lá a brincar, à porta do curral, dezoito cabritos. O Santo António tinha de certeza aumentado o espaço na barriga das suas cabras…
Tantas e belas ofertas eram arrematadas no fim da Missa, junto à Sacristia e ao pé da fonte do Adro. Ali, outro António, o Ti-Guerrilha, levantava o seu vozeirão e apregoava o produto: “Este galo está em sete mil e quinhentos réis” (ainda falavam em mil-réis, mas já era escudos), “Quem dás mais?”… Ouvia-se uma voz lá do fundo do Adro: “dez mil”. E o Ti-Guerrilha teimava: “Quem dá mais?”. “Dez mil – uma”; “Dez mil – duas”; ouvia-se outra voz: “dez mil e quinhentos” (10$50) e lá voltava ele ao princípio. Logo que visse que o preço arrematado estava justo, dizia: “uma”, “duas”, “duas e meia", e.... "três”. E entregava.

terça-feira, 8 de junho de 2010

E estas avós que povoaram a terra!

... Cuidaram dos netos e sob uma nesga de calor adormeceram!

terça-feira, 1 de junho de 2010

POETAS DO SOBRAL

CANTO X I Sobral de São Miguel, berço dourado, Nenhuma igual a ti, ó meu amor, Terra de meus pais, canteiro amado, Repleto de mil bênçãos do Senhor; De muitos naturais foste cantado, Em cítaras e harpas de louvor. Rezas, humilde, prostrado, ao fundo, Como que a lembrar o final do mundo. II Teus filhos comem, na dureza, o pão, Amassado no esforço e no suor: No Fundo do Lugar, no Caratão, Por todos os lugares, ao derredor, Soará sempre em nosso coração E no fundo da alma com mui fervor: Sobral acolhedor, hospitaleiro, Não há igual a ti no mundo inteiro. III Cercado de oliveiras e pinhais, Espelha-se na ribeira ternamente; Nas encostas abundam os currais Onde o gado adormece docemente; Uivam, à roda, lobos e chacais. Cães de guarda repelem ferozmente. Pode dormir tranquilo o seu pastor Da noite o sono, da manhã o alvor. IV Chiam rodados já pelos caminhos. Bois poderosos puxam pelos carros. Cantando esvoaçam os passarinhos. Deixando as plumas ficar pelos barros, Vão sem demora em busca dos seus ninhos. Pastores, além, vão limpando os tarros Ðas ferradas do leite que extraíram As fêmeas que, entretanto, já pariram. V Manta aos ombros, pífaro na sacola, Solta o pastor, pela manhã, o gado Os pais tiraram-lhe dias de escola; Vai cantarolando, alegre, no prado, Parece um mendigo pedindo esmola, Mas vive tranquilo e bem sossegado e Que breve há-de vir a libertação Quando, um dia, for chamado à inspecção. VI Sobreiras, castanheiros ancestrais, Espalham-se pelo povo em cortesia. Lembram monges em matinas claustrais Orando e laborando obra pia Do Barreiro, às Ladeiras, aos Torgais, Vão cumprindo uma longa romaria Até que um dia chegue finalmente o seu abate feito tristemente. VII Teus autarcas engordam no poder, Mas não se lhes dá de cuidar de ti. Os da Covilhã preferem esquecer «Sobral sem rei nem roque», onde é que eu li? Isto quem é que o pode ora entender!? Os da terra por aqui e por ali... Ninguém tem tempo para dedicar A tanta obra que há por realizar. VIII Ribeira de águas puras, de cristal, Como estás, de tanta poluição? Como te puseram, meu rico Sobral! Almas sem pensarem, sem coração Sem respeito nem consideração Sujam indignamente o teu caudal Tudo foi feito em nome do progresso. Tornou-se num gigantesco insucesso! IX Outrora as ruas cantavam alegria. Chafariz da Ponte era a concentração De ranchos e ranchos para a romaria: Alguns pernoitavam com mui razão E, mal a noite dava azo ao dia, Metiam-se ao caminho, pois então, Com destino ao Senhor do Colcorinho Cantado e dançando pelo caminho. X Imponente, ao centro, fica a Igreja Com sua torre desafiando o céu, Qual grito íntimo que alguém deseja, P’ra libertar-se da noite de bréu. Que todos saibam, todo o mundo veja, Dalí até ao Povo do Miléu Quanto alguém pode movido pela fé Confiado a Maria e a São José. XI Meu São Miguel, és padroeiro forte, Deste povo que canta ao desafio; Suportas, lá, na torre, o vento norte Ano após ano, ao sol e ao frio; Ninguém te inveja a dura e cruel sorte. Quando rodas e rodas, muito, a fio, Só te falta cantar: cócorócó Não sendo já tormentoso estar só. XII Defendes, lá, da tua fortaleza, O Povo rude e culto desta terra; Quando paira nos ares a incerteza Dos seus filhos irem lutar p’rà guerra, Estendes as asas com mais nobreza, Tanta quanta, por bem, teu peito encerra. Se mais não fazes é porque não podes Que água do capote tu não sacodes. XIII Quando chega o dia da tua festa, A tua imagem sai engalanada. Anjo de Portugal, cheirinho a giesta, Aldeia toda fica perfumada, Não se vê romaria assim como esta. Anjinhos saem de asa prateada, O Povo canta ao Senhor São Miguel, Defensor bendito, forte e fiel. XIV Pelas eiras estendais de milho ao sol, Juncam o chão de grãozinhos dourados; Nos salgueiros já canta o rouxinol, Melodias e ritmos bem timbrados. No horizonte, brilhante o arrebol, Deixa poisar os raios nos telhados. As crianças regressam já da escola Com os livros arrumados na sacola. XV Fumegam chaminés de telha-vã. Chega do campo o lavrador cansado. Na cozinha faz o caldo a mamä. o gato espreita, mesmo ali, ao lado. A filha põe a mesa com afã. O filho faz as contas embalado Ao som das panelas já a ferver A ceia aí está pronta p’ra comer. XVI A família dorme em colchão de palha Depois de rezar muito pelas alminhas; o cansaço provoca alguma falha. As almas nos perdoem, coitadinhas!, Deus nos acuda, nos salve e nós valha!, Rezam os pais em doce ladainha; Os filhos, esses, roncam para o lado Um sono mui tranquilo e bem pesado. XVII No cubículo amanhece cedo. o vento, sibila, frio, pelas fisgas. A mãe levantou-se muito a medo. A seguir foi a vez das raparigas. Eles ainda dormem, qual penedo. Era já tarde ao deixarem as espigas Pelo sobrado da casa espalhadas, Secando, para serem debulhadas. XVIII Novo dia retoma seu fadário. As mulheres em casa na liderança, Todos cumprindo o programa diário, Enchem o lar de abundante abastança Para prosseguirem o itinerário De partilhar a casa sem tardança. Louvado seja Deus, nosso destino! Mais que o pão, importa o amor divino. XIX Do Cabeço da Nave à Fozgiesteira, Do Carvalho, do Pereiro ao Porcim, Vai gastando este povo a vida inteira, Sorvendo o rosmaninho, o alecrim; Nas encostas da serra é canseira De amanhar a terra dura, por fim, Comer centeio com o suor do rosto, Na alma a cantar aleluias por gosto. XX Povo imortal dos teus e meus avós, Eu te saúdo, canto e venero. Vives distante, abandonado, a sós; Mas ver-te alevantado ainda espero Após tremenda luta, guerra atroz, Num grito enorme, final desespero: «Não deixem morrer meu Sobral, querido, Assim «por eles», meu grito seja ouvido! XXI Na Portela veneras Bárbara Santa, Excelsa padroeira dos mineiros; O seu martírio dá-nos alma tanta Que a trabalhar nós somos pioneiros. Quando a vida vai mal, a gente canta: (E nisto de cantar somos primeiros). Talvez para abafar a escuridão Da Madurrada ao Cabeço Pião. XXII Na Foz da Portela lava-se a gente Que não descer ao Poço das Navalhas; Todo a ano a ribeira tem corrente Mesmo se a chuva tem, por vezes, falhas; Um rego corre sempre docemente, E leva pela frente areias, palhas, Até se confundir no Forcacão Onde as ondas já fazem turbilhão... XXIII Dali, ao Zêzere, quantos saltos dá! Rola, de cascalheira em cascalheira, Pula, de cascata em cascata, já; Juntando-se às águas da Panasqueira E a outras mais qu’inda correm por lá, De boa companhia e cavaqueira, Fazem o grande Tejo transbordar E vão morrer, raivosas, no alto mar! (In Cantando os Hermínios, de Pe. António Pinto da Silva, edição do ano 2000 da Câmara Municipal de Penamacor) Nota: Soube da existência deste livro passados alguns anos depois da sua publicação. Por motivos vários e principalmente por não ter sabido procurar nos sítios certos só agora, passados 10 anos da sua publicação, me vem às mãos. Livro composto por 10 Cantos de exaltação à Serra da Estrela, sendo o último dedicado ao Sobral.