(É
tão-somente uma garrafa das pequenas. Quinta dos Currais. Catorze graus. Estes
rapazes também sabem fazer vinho. Que pomada, avô! )
O meu avô
Era um sábio.
O meu avô. Nasceu no último
quartel do Séc. XIX, na sua aldeia, que é também a minha, não sabia ler e nunca
terá visto o Mar! Mas, ele sabia que o Sol se escondia no “Mar alto e profundo”,
todos os dias. Num lugar chamado Poente. “Olha, além é o Nascente! Onde nasce o
Sol, vai-se levantando e, por volta do meio-dia, está aqui por cima de nós, às
páginas tantas, começa lentamente a baixar até que à tardinha se esconde
novamente no Mar,” Eu começava a sentir que o meu avô era um grande, grande
amigo do Sol. Estivesse onde estivesse, mal o primeiro raio solar lhe batesse
no rosto, respeitosamente tirava o chapéu, fazia uma prece e terminava com o
sinal da cruz. De todas as letras do alfabeto, só sabia escrever a letra “M”
(de Marques) que gravava nos seus cortiços que tinha na Serra do Açor, mais
propriamente no Vale dos Tortos.
Quando, com os seus amigos, a
conversa girava à volta da Terra e se levantava a dúvida se era o Sol ou a
Terra que andava, logo a sabedoria do meu avô sobressaía: “Cá para mim, a Terra
está parada. O Sol é que anda e todos os dias vemos isso”. Se alguns amigos o
contradiziam, de imediato os desafiava para uma aposta: “Não, eu até aposto,
temos aqui esta pedra, com um martelo de picos, fazemos-lhe um sinal virado
para as águas-ceiras, se amanhã estiver virado para a Portela, ganhais. Vamos a
apostar? Aposto a um cântaro de vinho”. Claro, nestas condições, ninguém se
atrevia a apostar. Um cântaro de vinho era muito vinho. E, assim, ficava
convencido do seu saber...
Da Lua, conhecia-lhe todos os
quartos. Relacionava-os com as sementeiras e colheitas e com a trasfega do
vinho. E repetia-se, naquelas sombras lunares... Aporfiava que representavam um
homem com um molho de silvas às costas que Deus castigara por ter trabalhado em
dia de Domingo.
Lá pelos serões adiante, enquanto
saboreávamos o champurrião (Chá de pimpinela, mel e aguardente), vinham ter
connosco o “Barba Azul”, “As noites de Lamego”, o “Conde Da Alemanha” que
dormia com a condessa. Hum… ou seria com a Rainha! Já não sei. Então, o sono
aproveitava a minha fraqueza e pumba: Adormecia-me.
Com as uvas “mortágua” da fojasteira,
Vale Torno, o rufete da Tejosa, com o tinta-fina (para dar cor) de Carvalho,
fazias o teu vinho que, depois de estagiar na pipa grande, cujo tarro
esfregavas com pedaços de marmelo, obtinhas uma pomada avidamente disputada
pelos donos das tabernas de então, principalmente pelo ti-João Diogo (pai do
Maurício).
Ei, avô! Ainda me lembro: Quando
ias ao Gondufo palrar com o teu sobrinho, por afinidade, António Gramaça e
bebias uns copos, no regresso, pelo cair da tarde, ao chegares aos medronheiros
do Cide e o vinho começava a fazer efeito, o caminho tornava-se demasiado
estreito, e sem querer encostavas-te aos pinheiros e as tijelas da resina
sujavam-te as calças domingueiras, outras vezes caías e…dizias que era o diabo
que te empurrava…
Eu sei, avô, ainda te vejo como um sábio!