quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Covilhã em 1785 - Inquéritos Pombalinos (continuação)




(Quadro 5 - produções havidas em 1980[1])

2-PASTORÍCIA

Devido às óptimas pastagens a pastorícia teve grande desenvolvimento no concelho.
Os pastos da Estrela só eram utilizáveis no Verão obrigando os pastores à prática da transumância, recolhendo os seus rebanhos nos meses menos propícios às campinas da Idanha, Alentejo e mesmo Estremadura espanhola[2].
Nem todos os rebanhos vinham de fora. Citam a existência de gado miúdo de cabelo (cabras) ou lã os párocos de Aldeia do Souto, Barco, Unhais e Orjais. Nenhum fala de gado graúdo, bovino ou cavalar.

3-CAÇA

Por todo o concelho se praticava a caça às perdizes e coelhos. Registou-se a presença de javalis em Verdelhos, Sarzedo e Orjais.
Apareciam corças no Sarzedo e uns raros ursos em Orjais.


4-PESCA

As águas frias da serra prestavam-se à cria de saborosíssimas trutas.
Também o Zêzere e seus afluentes eram viveiros de variados peixes: enguias ou eirós, bordalos, bogas, barbos, picões, sáveis e lampreias.
Para a pesca utilizavam-se alguns caneiros ou açudes em cuja estrutura os peixes tinham refúgio apropriado.
Famosos eram os barbos de meia arroba ou vinte arráteis[3], no dizer dos párocos da Covilhã, que se criavam no pego do Zêzere a jusante da Barroca.

5-INDÚSTRIA

As respostas a este item são pouco férteis em informações. Não fora a ligeira alusão dos párocos da Covilhã aos pisões, casa de tinte, prensa e fábricas de pano ou baetas, creríamos que a lã das ovelhas da Estrela não era aqui manufacturada. É de admirar este quase silêncio, pois não estariam esquecidas as medidas do conde da Ericeira que fomentaram bastante os lanifícios.
O Teixoso possuía seis pisões e no Paúl havia alguns.
Para a moagem dos cereais contavam-se dois moinhos na Erada, onze no Ourondo, cinco na Aldeia do Mato, um no Sarzedo e sete no Teixoso. O Barco tinha uma azenha que no tempo próprio servia de lagar. Havia moinhos no Paúl, Orjais, Peso e Boidobra.
A Erada tinha três lagares, o Barco um e o Ourondo dois. Havia outros no Paúl e Peso.
No que respeita à indústria extractiva informam os párocos da Covilhã da existência de estanho e chumbo em certos braços da serra e na ribeira de Gaia. Dizem, também, que num quintal da Covilhã apareceu material de azougue[4] e não esquecem o ouro explorado junto ao Peso.
Na serra do Açor, junto à estrada que vai para a Cerdeira, encontrou-se salitre[5]. Na ribeira do Paúl, numa concavidade aberta na rocha, a Cova da Moura, descobriu-se um material bom para fabricar «pedra alume e caparrosa»[6].
Nesta ribeira, diz o prior do Paúl, quase todos os anos se vêem ourives ou oureiros procurando ouro.
Voltemos ao ouro do Peso, onde, na Barroca do Ouro, muitos homens o procuram usando umas bandejas de madeira. Num ribeiro perto desta Barroca fora descoberto, havia quarenta anos, um forno subterrâneo cheio de terra misturada com ouro que se desaproveitou por não haver pessoa capaz de separar as impurezas do metal. Todavia o pároco do Peso ignorava que em algum tempo se retirasse ouro do rio.

6 - FEIRAS

Na Covilhã realizavam-se várias feiras. Nenhuma delas era franca. Havia uma mensal e três anuais. A mensal efectuava-se nos terceiros domingos de cada mês. As anuais tinham lugar no domingo de Lázaro, dia de S. Tiago e em dia de S. Miguel.
A feira de S. Miguel fazia-se no caminho para o Tortosendo, junto da capela do arcanjo e, por isso, dita da Estrada.
A feira do Teixoso era franca e tinha sua data no dia de S. Pedro. A do Tortosendo, marcada para 29 de Outubro, era franca para os naturais do concelho.

[1] - Números retirados de «A Região Centro, Caracterização e Perspectivas de Desenvolvimento », edição de 1981, Comissão de Coordenação da Região Centro.
[2] - Um mosteiro da região estremenha, Nossa Senhora de Guadalupe, chegou a pastorear na Estrela rebanhos com um total de 15 000 cabeças.
[3] - A arroba equivalia a 11 Kg e o arrátel a 0,340 g
[4] - Mercúrio
[5] - Nitrato de potássio.
[6] - Caparrosa - Nome de vários sulfatos de ferro, cobre e zinco, que se diz também vitríolo verde.
Por Gabriel dos Santos

Covilhã em 1785 - Inquéritos Pombalinos

(continuação)

Aldeia do Mato, talvez pela situação em terras úberes, mudou o nome para Vale Formoso[1].
Outras aldeias transformaram-se em freguesias. Vales do Rio desmembrou-se do Peso[2], o mesmo acontecendo a Cortes do Meio em relação ao Tortosendo.
S. Jorge da Beira[3] e Sobral de S. Miguel[4] em 1758 pertenciam a Casegas. Aldeia de S. Francisco de Assis, então Bodelhão, era anexa a Dornelas[5].
Após esta breve explicação sobre as alterações de freguesias entre os quadros 3 e 4 analisemos este último.
Aparece uma nova cultura, a batata, em situação privilegiada. O milho mantém o 2º lugar. O centeio, largamente ultrapassado pelo trigo, coloca-se em posição modesta. A castanha deixou de ter interesse económico.

O quadro foi feito tendo em conta as respostas das juntas de freguesia a um inquérito em que se pediam os três produtos com maior incidência na sua área administrativa. É pena que não indiquem a ordem de grandeza e fosse esquecida a vinha.

[1] - Pelo Decreto nº 37 504 de 6-8-1948.
[2] - O Peso veio a perder a Coutada que passou para a jurisdição do Barco por decreto de 4-12-1872; o Pesinho agregou-se à freguesia de Alcaria por decreto de 7-9-1895; Vales do Rio foi erecta em freguesia.
[3] - Pelo decreto nº 43 263 de 21-10-1960 mudou o nome de Cebola em S. Jorge da Beira.
[4] - Chamado em 1758 simplesmente de Sobral, viu acrescido o nome, no séc. XIX, com o apelativo de Casegas, mudando para o actual pelo decreto-lei nº 69/70, de 27 de Fevereiro.
[5] - Esteve anexada à Barroca de 1864 a 1895; passou para o Ourondo por decreto de 7-9-1895; constitui freguesia por decreto de 19-7-1901; muda para o actual nome pelo decreto nº 15 868, de 15-8-1928.
Por Gabriel dos Santos

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Covilhã em 1785 - Inquéritos Pombalinos

(continuação)
C – HIDROGRAFIA O terceiro interrogatório referia os cursos de água. Nem todos os párocos responderam a este questionário: Aldeia de Carvalho, Casegas, Ferro, Peraboa e Tortosendo. Com as respostas coligidas faremos um esboço da rede hidrográfica da região, naturalmente com as lacunas que a memória ou o desconhecimento dos inquiridos deixam prever. Sendo a Estrela abundante em águas, nela começam muitas ribeiras que se desenvolvem em direcção ao Zêzere, tronco principal da bacia hidrográfica da Covilhã. O seu nome derivaria de Júlio César, "fluvius Cesaris," como discorreu o prior do Teixoso e lembra a resposta da vila. Sempre assim seria chamado mas o prior de Orjais desencantou um nome mais antigo -"Tigre". O Zêzere nasce no Cântaro Magro e cedo engrossa o volume de águas com a fonte Paulo Martins. De curso arrebatado, percorre duas léguas até Manteigas, em direcção ao nascente, assim continuando até Aldeia do Mato. Prossegue virado a leste mas seu leito é agora suave. Remansoso até Silvares, em Belmonte vira para sudoeste, indo misturar suas águas às do Tejo em Punhete (actual Constância). Quanto à sua extensão são variados os cálculos, desde 40 léguas para o pároco do Ourondo até 25 para o de Orjais. O seu leito é cortado por uma cachoeira abaixo da Barroca e nesta povoação ergueu-se um grande açude. Outro, de 800 passos se levantou no Barco. Junto a esta aldeia existe uma ilha, onde abundam os salgueiros e latadas. Tem como afluentes na margem esquerda as ribeiras de Valhelhas, Famalicão, Gaia e Meimoa. Confluem na margem direita variados cursos de água. A ribeira de Beijames nasce no Vale Longo e atravessa Verdelhos. Não sendo caudalosa, corre todo o ano. Dirige-se do poente ao nascente na distância de duas léguas indo lançar as águas no Zêzere. No Teixoso temos a ribeira de Gibaltar, formada pela junção de outras duas, as de Seixa e de Tigelos, com o comprimento de um quarto de légua cada uma. Ao aproximar-se do Teixoso muda o nome para rio de Álvaro Pires até se meter no Corges (também chamado Carrapatelo). Medirá do nascente ao Corges uma légua pequena. Ao Corges se junta igualmente a ribeira da Capinha. Ladeando a Covilhã estão as ribeiras da Carpinteira e Degoldra, que correm para o Corges, e a de Água Alta, que desce para o Zêzere após a confluência do Corges. Os inquiridos, sem citarem os nomes, fazem-lhes pequena referência. A um" tiro de mosquete" do Ourondo finda a ribeira do Caia, denominação antiga mas fora de uso, pois esta linha de água muda de nome consoante as povoações por onde passa, adoptando os respectivos topónimos. Nasce na Bouça. Após uma légua recebe um ribeiro nascido nos Zebrais. Acrescenta-se com a ribeira de Unhais e, passado o Paúl, aceita a da Erada. Já no Ourondo aumenta com a ribeira de Casegas, cujo pároco omitiu a descrição, como esqueceu a do Porsim, que tem seu início nas vertentes do Açor viradas para o Sobral e S. Jorge da Beira (então Cebola). As águas do Zêzere eram livremente usadas nas regas, sendo livres as pescarias, excepto nos caneiros ou açudes particulares (por exemplo, o do P.e. António Barata no Barco). D - ACTIVIDADES ECONÓMICAS 1 -AGRICULTURA A agricultura era o principal meio de vida da população. A Cova da Beira, como refere o cura da Boidobra, era então, como hoje, um belo pomar. Maior pobreza haveria nas encostas da serra. Sendo o mel um produto de fácil exploração só é considerado no Paúl e Erada. A cevada aparece unicamente na Peraboa. Os legumes só mereceram citação no Teixoso. A fruta ficou em lugar bem modesto. Cremos que os párocos colocaram por ordem de grandeza as colheitas dos seus paroquianos. Assim se explica que o prior de Sarzedo refira uma cultura e os de Orjais, Verdelhos e Aldeia do Mato mencionem duas. Optemos por estudar os três produtos mais importantes de cada freguesia. No quadro 2 aparecem as culturas segundo a ordem como estão nas respostas ao inquérito. O quadro 3 resume a produção por ordem de grandeza e frequência dos produtos. O centeio ocupa o 1º lugar, sendo a principal cultura em nove freguesias e ocupando o 2º em cinco. Segue-se o milho que, cultivado em 14 freguesias, atinge o 1º, 2º e 3º lugares em quatro aldeias, respectivamente. A castanha, que fora a primitiva base da alimentação, consegue ser a cultura mais importante em duas freguesias, ganhando um segundo e dois terceiros. O vinho tem uma posição modesta sendo cultura principal no Teixoso, secundária no Ferro e terciária em Casegas. Outros produtos em segundo plano são o azeite, trigo, linho e fruta. Os legumes, cevada e mel pouco influem na economia rural. O quadro 3, baseado em O Distrito de Castelo Branco Perspectivas do Desenvolvimento Regional[1], indica algumas mudanças, não só nos produtos como nas freguesias, o que é natural já que dois séculos separam os respectivos inquéritos. [1] - De Lopes Marcelo, José Passos e Fernando Raposo - edição de 1981, Castelo Branco.
(Por Gabriel dos Santos)
(Continua)

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Inquéritos Pombalinos (continuação)


Voltemos à serra da Estrela.
Chamou-se antigamente Monte Hermínio (Arminio na grafia dos párocos da Covilhã) como escreve o cura da Erada, que se socorre para as suas respostas do poema Viriato Trágico[1], ou Montes Hermínios, como melhor expressa o prior do Teixoso.
Várias hipóteses se propõem para a moderna denominação:
1ª - (apresentada pelo prior do Teixoso) O seu nome originar-se-ia da « sua alta eminência parecer que desafia as estrelas ».
2ª - (avançada pelo mesmo e párocos da Covilhã) Um grande penhasco cuja superfície se encontra raiada imitando raios de luz de uma estrela terá levado as pessoas a colocarem-lhe tal nome[2].
3ª - (dos párocos da vila) « agora se chama Estrella em razam de huma estrella que sobre ella se ve nascer e se avista das partes do Poente, e Norte ».
4ª - (que os párocos da Covilhã foram buscar à tradição e a livros antigos « que tratam das couzas de Roma ») Derivaria de nos tempos pagãos aí se adorar o penhasco referido na hipótese segunda, ou a Estrela da Alva.
Como vemos, hipóteses suficientes para cada um escolher a que melhor lhe agrade, caso não queira avançar com uma própria[3]
Os inquiridos propõem para começo da Serra os montes que circundam a cidade da Guarda. Mas enquanto em Unhais, Covilhã e Aldeia de Carvalho lhe põem o término junto a Góis (18 a 20 léguas), no Teixoso e Erada dão-lhe por fim o Promontório da Lua (52 léguas para o prior do Teixoso, 25 para o da Erada, que cita o autor do Viriato Trágico).
Numa extensão tão grande é natural a Serra dividir-se em vários braços. Para o Norte, e pelo que respeita ao concelho da Covilhã, temos uma ramificação que se alonga por duas léguas, desde o Zêzere, junto à ponte de Valhelhas, até ao Teixoso. Chama-se a serra do Sarzedo. Seus montes tomam vários nomes. A Norte do Sarzedo encontra-se o Castelo Redadeiro, que se perfila por meia légua, seguindo-se a serra do Aldeão com igual comprimento.
Para o Sul temos o monte de S. Gião (de uma capela deste santo), que se prolonga por uma légua até à cabeça do Mouro.
Esta serra é conhecida na Aldeia do Mato pelo nome de Barreiros Brancos e em Orjais como Cabeço Gordo.
É de clima frio e as encostas produzem castanhas, centeio, cerejas e ginjas. Nela pastoreia-se gado miúdo e poderão caçar-se javalis, corças, coelhos e perdizes.
No sudoeste do concelho verificaram os párocos a existência de outro braço da Estrela, o mais importante no dizer do cura de Unhais, que lhe dá, das Pedras Lavradas a Góis, uma longitude de nove léguas.
Esta serra do Açor, da qual só pequena parte está no concelho da Covilhã, toma vários nomes: Entre Capelas, Castanheira, Colcorinho, Serra da Mourízia e Pedras Lavradas.
Na Estrela nascem vários rios: Zêzere, Alva, Ceira e Mondego. Do Zêzere falaremos em capítulo próprio. Trataremos agora dos outros.
O Alva nasce na lagoa Comprida e, após passagem por Avô e Coja, desagua no Mondego junto à ponte de Morcela.
O Ceira nasce no Açor, atravessa Góis e vai unir-se ao Mondego um pouco acima de Coimbra.
O Mondego nasce num penhasco perto das Penhas Douradas e tem sua foz no porto de Buarcos.
No perímetro da serra encontram-se várias lagoas[4].
A lagoa Escura tem forma circular e medirá de largo 300 passos (360 de perímetro, afirma o cura da Erada) Suas águas são claras na margem e negras no centro devido à profundidade[5].
Um paroquiano do Teixoso, perito em natação, mergulhou e viu areias muito brancas às quais não pôde chegar. A elas seguia-se « horrenda escuridão (...) causada da immensa profundidade do centro ». Atravessando a lagoa do nascente ao poente achou a água demasiado fria, talvez pela profundeza ou pela sombra de um alto penhasco.
Foi feito memorável esta travessia, não só pela tentativa de encontrar uma explicação racional para as dificuldades, mas também por um pastor com mais de 50 anos afirmar nunca ter visto ou ouvido dizer que alguém atravessasse alguma vez a lagoa.
Em altura de vendavais fortes as águas fazem um estrondo tão grande que se ouve a 10 / 12 léguas!
Não tem criação de peixe nem transborda no Verão, o que só acontece em épocas de chuva e degelo, indo o remanescente para a lagoa Comprida.
Escreve o cura da Erada que nela se encontraram em tempos antigos restos de um navio, o que levaria a supor a comunicação com o mar.
A um quarto de légua da lagoa Escura encontra-se a Comprida. Medindo três quartos de légua (500 passos para o cura da Erada), nela tem seu começo o rio Alva.
No meio da serra encontra-se um vale com meia légua de comprido por um quarto de largo, onde corre pequeno ribeiro. Este vale, de férteis pastos, recebeu o nome de Nave de Santo António da Argenceira, onde a freguesia de S. Pedro de Manteigas possuía uma capela com a invocação do popular santo lisboeta.
Aqui se reúnem os pastores a 24 de Julho, ouvindo missa e sermão. Após as cerimónias religiosas, mediam forças no jogo da barra com um calhau redondo, cor de ferro, difícil de levantar por homem de medianas forças. O vencedor era premiado com um grande pão, a fogaça.
Neste vale tem suas bases o Espinhaço do Cão, que se levanta por três quartos de légua ladeando um « profundo despenhadouro a que chamão os Covões », onde nasce a ribeira de Unhais.
Este maciço só dificilmente permitia a passagem a pé.
A Norte do Espinhaço do Cão erguem-se os Cântaros: Gordo, Magro, e Chão ou Raso. O mais alto é o do meio. Nele as águias fazem seus ninhos. Entre os Cântaros Gordo e Magro fica uma azinhaga, a Rua dos Mercadores, com larguras de quinze a trinta palmos. O informador do pároco do Teixoso atravessou-a com seis companheiros, passando muitos perigos devido aos precipícios.
O terceiro Cântaro fica desviado quatrocentos passos ao Norte.
O nome dos Cântaros não se explica por ali haver um cântaro para saciar a sede dos moradores de Aldeia do Carvalho quando atravessavam a serra. Aliás, essa previdência era desnecessária. Não só pouca gente utilizaria tal caminho, como a Estrela é fértil em boas nascentes.
Foram assim chamados devido à forma do Cântaro Magro que do meio para cima imita tal vasilhame, além do local ser farto em águas. .
Na depressão que se encontra atrás dos Cântaros se ajunta a neve que refresca no Verão « o calor da mais populosa cidade do Orbe Catholico », na pitoresca referência do padre Vicente de Oliveira Durão à capital do reino.
A serra é incultivável devido à sua orografia e clima frigidíssimo. Mas no Verão os seus pastos verdejantes são aproveitados para a pastorícia.
São também procuradas pelos boticários as suas ervas medicinais, com particular relevo para a argençana, ou genciana, cocleária, com propriedades antiescorbúticas, zimbro e maná, suco resinoso retirado de algumas plantas. Quanto à genciana, dizem os párocos covilhanenses que « todos os malles sana so hum damna ».
Os mesmos párocos referem como curiosidade uma ribeira de águas frias que só admitem trutas e dizem serem boas para fabricar papel.
Na serra coexistem vários animais de caça : águias, bufos, açores, perdizes, coelhos, javalis e corças.
Existem duas fontes de água sulfurosa procuradas pelos doentes. As caldas de Manteigas tinham maior volume de água, que era quente; as de Unhais eram mais sulfurosas.

[1] - De Brás Garcia de Mascarenhas, cuja 1ª edição, única na data do inquérito ocorrera em 1699
[2] - O penhasco já desaparecera em 1758.
[3] - Considerando que André de Resende (C. 1500-1573) afirma (de An tiquitatibus Lusitaniae, Évora, 1593) ser recente a atribuição do nome de Estrela aos Montes Hermínios, podemos supor que houve um deslocamento daquele topónimo que, antigamente, seria dado à serra do Açor. Isso mesmo se depreende de documentos dos primei ros reis afonsinos
[4] - A descrição da Serra baseia-se no relato do prior do Teixoso, que mostrou estar melhor informado.
[5] - Tem um perímetro de 400 metros e uma profundidade de 14 a 16. História da Covilhã - José Aires da Silva.
Por Gabriel dos Santos
(continua)

Inqéritos Pombalinos (continuação)

B – OROGRAFIA

O segundo interrogatório versava a orografia da região. Não responderam a este questionário os párocos de Casegas, Ourondo, Dominguiso, Tortosendo, Ferro e Peraboa. O prior do Paúl remete para os curas da Erada e Unhais; do Peso respondem que a serra da localidade não tem nome, não passando de um braço da Estrela, e espera que da mesma falem os párocos de Manteigas e Covilhã. O sistema orográfico da região covilhanense, exceptuando pequenos montes, é constituído pelas serras da Estreei-la e do Gomes. Falemos primeiro desta para depois nos dedicarmos ao grandioso maciço implantado no centro do país. A serra do Gomes estende-se, na freguesia do Barco, Pela margem esquerda do Zêzere, num espaço de légua e meia entre as ribeiras de Meimoa e Seis Maças[1]. O monte mais importante desta serra é o Cabeço da Argemela (747 metros), sede de um antigo castro e origem de trágica lenda que o pároco não mostrou conhecer. A cobertura vegetal consta de carqueja, joina e esteva. Existem castanheiros. Permite a cultura do centeio, videiras e algumas árvores de fruto, sendo propícia à pastorícia (cabras e ovelhas). Como caça tem abundância de perdizes e coelhos. Nela se explora uma pedreira de pedra alvíssima, da qual tem saído muita cantaria para variadas partes do bispado.
[1] - Ximassa na Carta de Portugal do Instituto Geográfico e Cadastral, onde se aponta a altitude de 799 metros para a Serra do Gomes.
Covilhã em 1785 - Inquéritos Pombalinos
(continuação) Por Gabriel do Santos 1992 PRIMEIRA PARTE RECENSÃO AOS INQUÉRITOS PAROQUIAIS I - GEOGRAFIA E POPULAÇÃO A - SITUAÇÃO E INTERIORIDADE As respostas a estes quesitos (1º e 21º) revelam pequenas disparidades ou inferior conhecimento dos párocos. Se todos incluem sua freguesia no bispado e comarca da Guarda e termo da Covilhã (à excepção de Sarzedo, sujeito a Valhelhas), só o respondente da Covilhã e os priores do Ourondo e Tortosendo nomeiam a vila de Notável [1]. Já se notam maiores divergências na denominação da província: enquanto os párocos do Dominguiso, Ourondo, Paúl e Unhais da Serra se julgam pertencentes à Beira Baixa, os de Aldeia do Mato e Aldeia do Souto optam pela Beira Alta, quedando-se os restantes pela genérica Beira sem discriminações de altitude. Então, como hoje, a interioridade concelhia dificultava os contactos com os centros de decisão civil ou religiosa. Guarda sede do bispado e comarca, encontrava-se a uma distância variável entre quatro e dez léguas; Lisboa situava-se a quarenta ou cinquenta léguas. À distância acrescia a dificuldade do trânsito se efectuar por regiões montanhosas, com frequentes cursos de água. Note-se que a légua então usada era muito elástica, variando com o passo do caminhante e o maior ou menor cansaço do caminho. Mais que uma distância no terreno, correspondia ao tempo gasto em percorrê-lo. Teoricamente mediria entre 1500 e 3000 passos (2250 a 4500 metros - Dicionário de História de Portugal).Todavia, considera-se que a légua velha ultrapassaria os seis quilómetros.
[1] - Mercê concedida por D. Sebastião a 6-7-1570. ANTT, Chancelaria de D. Sebastião, livro 7, fª 254

Inspiração da Luz!


quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Covilhã em 1785 - Inqéritos Pombalinos

Covilhã em 1785 Inquéritos Pombalinos Por Gabriel do Santos 1992 (Inicia-se hoje a publicação, neste espaço, dos Inquéritos Pombalinos, cujo enfoque se situa na Covilhã, resultado da pesquisa do nosso amigo, Gabriel dos Santos, concluída em 1992) NOTA PRÉVIA Ao estudar a Covilhã do séc. XVIII coloca-se a questão do âmbito geográfico. Sabemos que o concelho do séc. XX não corresponde ao de há duzentos anos atrás, quando o Fundão singrou por caminho separado. Com posteriores reorganizações administrativas veio a perder várias aldeias. Sameiro passou para o concelho de Manteigas, Caria integrou-se em Belmonte, Unhais-o-Velho uniu-se à Pampilhosa da Serra e, ultimamente, o Pesinho juntou-se à freguesia de Alcaria, no concelho do Fundão. Outras povoações agregaram-se à Covilhã: o Sarzedo e o Bodelhão, actual Aldeia de S. Francisco. Como nos interessa mais mostrar o passado da Covilhã moderna escolhemos tratar das freguesias englobadas no actual alfoz. Numa primeira parte far-se-á a recensão das respostas dos párocos ao inquérito de 1758 com as anotações julgadas convenientes. Numa segunda parte seguir-se-ão os respectivos inquéritos pombalinos. INTRODUÇÃO Findara a Guerra da Restauração. Com a paz nasceu a necessidade de organizar e desenvolver o país. O comércio e a indústria fortalecem-se. Portugal estivera nos anos de guerra muito ligado à França e Inglaterra que influenciaram o novo pensar português. Aparecem os estrangeirados que não só copiam as modas europeias, mas se deixam imbuir pela nova cultura, o Iluminismo. É o século das luzes. Luz implica conhecimento, só possível quando uma economia sólida permite dinheiro e tempo disponíveis para a especulação científica, experimentação e pesquisa do desconhecido. Com o fim do séc. XVII (1699) chegam a Lisboa as primeiras arrobas do ouro brasileiro, iniciando um faustoso período de obras públicas. Nem só em edificações gasta D. João V as riquezas que vêm da América. A cultura recebeu uma boa porção. Portugal, na realidade, era uma incógnita para os centros de decisão. Mapas e relatórios estavam impregnados de erros crassos. Então um novo tipo de obras literárias se popularizava: os relatos de viagens. Muito tendenciosas, essas evocações. Escritas por viajantes estrangeiros, é natural enfermarem de uma visão distorcida do real. As incomodidades da viagem, o óbice da dificuldade de comunicação com o povo simples do campo, a pouca adaptabilidade do estômago à comida portuguesa, reflectiam-se no escrito final. Esquecendo que no país de origem idênticas povoações tinham parecido viver. Acrescia o característico discurso do português viajado que tende a denegrir tudo que seja nacional. Era necessário conhecer melhor o país. O P.e. António de Carvalho da Costa (1650 - 1715) publica de 1706 a 1712 a Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, muito incompleta na sua informação.
Por esta altura o Oratoriano P.e. Luís Cardoso (+ 1769) resolve empreender a publicação de um Dicionário Geográfico, ou Notícia Histórica de Todas as Cidades, Vilas, Lugares e Aldeias. Para levar a cabo a grandiosa obra pede apoio ao rei e autoridades eclesiásticas. Envia, depois, a cada pároco três interrogatórios. O primeiro, sobre a povoação, com 29 questões; um outro de 13 perguntas sobre a serra; um terceiro, de 21 itens a respeito do rio. Os párocos correspondem ao pedido. O padre Oratoriano, com as respostas coligidas, inicia os trabalhos de publicação do dicionário, vindo a sair o primeiro volume (letra A) em 1747 e o segundo (letras B e C) em 1752. Sobreveio o terramoto de 1755 e todo o acervo de documentação ficou inutilizado. O P.e. Luís Cardoso não desanima. Pedindo o apoio do marquês de Pombal, prontamente prestado, remete idênticos questionários a todas as freguesias. Recebidas as respostas em Lisboa, como o P.e. Cardoso não se sentisse já com forças para organizar o dicionário, os inquéritos foram encadernados em 43 volumes, que passaram a fazer parte da Biblioteca da Casa das Necessidades, de onde transitaram para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
(Continua)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Um olhar para… Adriano,

Ou
“E aqueles, que por obras valerosas/ Se vão da lei da morte libertando;”

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

domingo, 7 de outubro de 2007

Lavram e Semeiam aqui ao Lado


Anda a terra no cio:
Chegou a lua.
E é como um falus de aço macio
A ponta aguda da charrua.

Com a certeza de procriar
Cai a semente da mão do vento…
E tudo lento,
Num ritual,
Como se o homem, pachorrento,
Realizasse o casamento
Do natural.

(Miguel Torga, Poesia Completa I, edição Círculo de Leitores, 2002)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Isto, aqui, está lindo…

(Onde se lê theme, leia-se "tema o")


No Inverno anterior, chovia na sala de operações dum Hospital do Norte.
Muito recentemente, noticiou-se que bactérias tinham invadido a sala de operações dum Hospital do Centro, colocando o desconforto nos doentes recém operados, tendo um deles “perdido” um olho.
Agora, no Sul, a ASAE encerra a cozinha de três Hospitais (pela boca morre o peixe).
Ora, se os Hospitais estão doentes onde é que devem ir:
- Ao médico?
- Ao SPA?
- Às urgências?
- Ralhar com o Ministro?

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A pesca - Curiosidades...



Pesca – curiosidades

Da pesquisa efectuada por Gabriel dos Santos, conterrâneo e amigo, em “Inquéritos Pombalinos” de 1785, transcrevo uma pequena parte relativa a uma actividade do meu agrado:
- A pesca.

(…)4-PESCA
As águas frias da serra prestavam-se à cria de saborosíssimas trutas.
Também o Zêzere e seus afluentes eram viveiros de variados peixes: enguias ou eirós, bordalos, bogas, barbos, picões, sáveis e lampreias.
Para a pesca utilizavam-se alguns caneiros ou açudes em cuja estrutura os peixes tinham refúgio apropriado.
Famosos eram os barbos de meia arroba ou vinte arráteis(1), no dizer dos párocos da Covilhã, que se criavam no pego do Zêzere a jusante da Barroca(…).

(1) A arroba equivalia a 11kg e o arrátel a 0,340g.


Ou seja, naquele tempo (1785), a Ribeira do Sobral seria uma pequena maravilha.