quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A GUERRA DE LOB



(..) Foi acordado por um movimento repentino nas suas costas. Um saco, uma mala de senhora caia no seu colo.
– Desculpe, ouviu Lob da boca bem desenhada da jovem que continuou preparando a bagagem para a saída do comboio.
                O comboio apitou lá na frente dando indicação da breve chagada à estação. A mãe (?) da jovem com a maleta na mão dirigia-se para a saída quando ela aceitou das mãos de Lob o saco-mala que antes lhe lançara no colo. Pegando no saco, que Lob lhe devolvia, com olhar doce, lindo, e lábios rosados, húmidos, deixou-lhe na mão um pedaço de papel correndo para a porta de saída do comboio que acabava de parar na estação.
Lob abriu a janela e viu muitas fardas verdes que acabavam de sair do comboio e entre elas uma “mãe” e uma filha de cabelos negros que para ele olhava fixamente… Com tristeza… Muita tristeza.
Lob não deixou de seguir, enquanto foi possível, os passos daquelas duas mulheres que abandonavam agora a estação do caminho-de-ferro de Castelo Branco. Castelo Branco de recordações. Onde andaria o Quelhas perguntou-se sem deixar de olhar a jovem de lábios rosados, húmidos.
Apitando três vezes o comboio zarpou em direcção à Gardunha e aos túneis que, diziam alguns visionários no seu tempo de estudante na zona, tinha no seu interior “extra-terrestres”. A janela continuava aberta na noite. O ar era fresco. A lua cheia dominava o céu. Lob desdobrou o papel que a jovem lhe deixara. Uma vez. Outra vez. E leu numa caligrafia visivelmente rápida, nervosa. ANA PAULA telefone 478… e mais três números seguidos de …tua madrinha de guerra...
Lob olhou a noite. Lob fixou a lua poisada no cume da serra. O comboio entrou no primeiro túnel da Gardunha e a janela aberta deixava entrar o som cavo e intimista das entranhas da montanha. (…)

[Lobo Mata, em a “Guerra de Lob” 1ª Edição: Julho,2012. Editora: Chiado Editora]


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

NO RASTO DA DRAGA






(…) Chamados pilhas na região de Arouca (Vilar 1998), apelidados trabalhadores do Kilo pelo Padre Manuel Vaz Leal (1945) nas Minas da Panasqueira, na memória dos populares da Gaia, estes prospectores por conta própria, muitas vezes ao arrepio da legislação, tomam a designação de salta e pilha. O termo, embora possa fazer transparecer tratar-se de uma actividade repentina, casual e sem preparação, na realidade implicava toda uma escala de planeamento na alocação de materiais, conjugação de esforço laboral de cuidado na selecção dos locais a explorar, assim como a vigilância dos mesmos. Não existe uma fronteira clara entre o salta e pilha que esporadicamente subia a serra com um ou mais parceiros para explorar, às escondidas, a riqueza do subsolo e o proprietário que promove a exploração do minério nas suas próprias terras. Tanto num caso como no outro, a ilicitude podia estar subjacente, visto o título de propriedade não conceder automaticamente os direitos de lavra mineira ao dono. (…)


(Capitulo: 5.1.2. Extração mineira e produção agrícola


transformação da estrutura produtiva e semi-proletarização)


Por Pedro Gabriel Silva, em “No Rasto da Draga- exploração mineira e protesto popular numa aldeia da Beira Baixa (1912-1980)” 1ª Edição:2013. Editora: 100LUZ – Castro Verde (Portugal)
 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

ESTÓRIAS DO MONDEGO

                                                                                               


(…) Entre a Quinta da Taberna e o Covão da Ponte, repousa um lugar coberto de campos de centeio. Em Nossa Senhora da Assedasse, o vento é aroma de distância. Uma pequena capela descansa rodeada de nada e de tudo. Campo a perder de vista, destinos e horizontes maiores a serem arquitectados no olhar dos pastores. É ver rostos a congeminar fugas.
Em volta da capela, faz-se a romaria das ovelhas, para polvilhar a sorte. Abençoar vida ruim. A romaria é confirmação. O que aqui está é a vida e daqui apenas se foge com o olhar. Tilintam os chocalhos e o rio corre sem sobressaltos, exceptuando dias de cheias, em que toma outra vida. 
Os caminhos com sabor a terra estendem-se rumo ao Covão da Ponte. Nas encostas do Vale de Manteigas, José Martins Sabugueiro partilha com o ar viagem doce. Nas horas menos irrequietas, solta o pensamento e segue rumo a lugares sem fronteira. Mas vida de pastor é estar alerta. Os rumos desenhados com o olhar têm hora limitada. A sua voz há-de cobrir todos os dias estas encostas. “Eh anda cá, Já estás com pressa”. O cajado rompe no ar, sempre que alguma ovelha envereda por rumo proibido.
José Sabugueiro é José Paisana. É assim, que é conhecido nestes lugares que já lhe pertencem. Nasceu na década de 40, época em que o destino chegava cedo demais. Apesar de ter estudado até à quarta classe, tinha 16 anos quando começou a guardar o gado, definitivamente. Haveria ainda de passar pela Guiné-Bissau, entre os anos 65 e 70. Tempos que não lhe deixam saudade.
 
Da memória esburacada pelo tempo, José Paisana guarda sobretudo manhãs de inverno. Mantas sobre o corpo, e pés que não conhecem descanso. O cajado na mão enterra-se na terra a ajudar o caminho. (…)
 

[Capítulo 1/ Catarina Pinto, fls.33/34]
In “ESTÓRIAS DO MONDEGO” escrito por Catarina Pinto, Catarina Perlhaz, Raquel Carvalho, Joana Moura e Mariana Pardal, com a coordenação de João Figueira, docente da FLUC, e reportagem fotográfica de Carlota Ribeiro, Raquel Carvalho, Gonçalo Ermida, Joana Moura e José Pedro Fernandes, Edição: Ideias Concertadas