sábado, 12 de junho de 2010

AS CHOURIÇAS DO (MEU) SANTO ANTÓNIO

Aquela figura de homem estava sempre ali. No altar. No altar de Santo António. E o meu lugar, no sopé do altar, também era ali. Aos domingos. Sentava-me naquele comprido degrau de madeira, que o meu pai e meu avô aproveitavam para poisarem os seus chapéus, enquanto durava a Missa.
Contava o meu avô que o Santo António fazia muitos milagres: Quando novo e se chamava Fernando, era um excelente guardador do milho que o seu pai – muito rico – secava ao Sol nos estendedouros, lá para o lado dos Olivais, em Coimbra. Que não atirava pedras, bastava-lhe umas palavras ou uns gestos e os pardais fugiam logo (Eu ficava pensativo. Pois, o milho ou melhor o grão que eu conhecia não cabia na boca dos pardais. Portanto não era avaria nenhuma ele guardar bem o milho. Eu queria vê-lo era no “meu” estendedouro do Ribeirinho, guardar o milho das galinhas que andavam em liberdade pela Aldeia). Guardava os olivais. Pregava também aos peixes e, um dia, já em Roma, ou em Pádua, em plena pregação, foi santamente avisado que o seu pai estava prestes a ser condenado à forca por um crime que não tinha cometido. Interrompe por instantes o sermão, agarra da sua capa e atravessando montanhas chega rapidamente ao Tribunal, onde depois de se terem deslocado ao cemitério e ter feito falar o morto, prova a inocência do seu pai.
Vendo bem, por estas e por outras, olhava aquele Santo e achava-o simpático. Para já, era António (o meu nome). Um bocado careca, com um menino ao colo e um livro… Que livro seria aquele? O da sua 1ª. Classe ou o livro da sabedoria de que me falavam na Catequese? Um mistério para mim… Ali sentado, eu nunca estava com atenção ao que se dizia na Missa! Ora me coçava, ora virava as costas ao Altar-Mor, ora ao Santo António – que era o mal menor, pois de tantas vezes que ali ficava ao pé dele já éramos, na verdade, grandes amigos e além do mais ele era um Santo. No fundo, até estava um bocado vaidoso por sermos amigos e vizinhos e até facilitava a passagem das mulheres que todos os Domingos lhe ofereciam prendas. Para terem acesso ao altar, essas mulheres passavam rente a mim e tinha mesmo que facilitar a passagem por que se não corria o risco de me pisarem – eu era tão pequenito! De facto, o patrono da Aldeia era (e é) o São Miguel, mas quem tinha o proveito na verdade era o Santo António que era naquele Temp(l)o o Santo mais rico: Aos Domingos, o altar enchia-se de pratos com queijos frescos e curados, malgas de milho e de feijão, ovos, frascos de mel, azeite, galos, morcelas, chouriças das grandes e das pequenas. E isto porque tinha feito as vontades das mulheres da Aldeia: “Ai vizinha eu pedi ao Santo António que me curasse o meu porquinho. Tem um monte de cabelos na garganta, é um câncer de certeza. Se me ouvir hei-de dar-lhe uma chouriça do tamanho do meu Manel” disse a Antónia; “Não digas mais nada, eu também tenho que lhe dar uma dúzia de ovos, não é que a minha galinha pedrês passou a pôr ovos com duas gemas, vê lá tu… isto é um milagre de certeza” disse a Tiá-Amélia; E constava-se que a Tiá-Ermelinda ir dar-lhe um cabrito. Ela só tinha seis cabras e andavam lá a brincar, à porta do curral, dezoito cabritos. O Santo António tinha de certeza aumentado o espaço na barriga das suas cabras…
Tantas e belas ofertas eram arrematadas no fim da Missa, junto à Sacristia e ao pé da fonte do Adro. Ali, outro António, o Ti-Guerrilha, levantava o seu vozeirão e apregoava o produto: “Este galo está em sete mil e quinhentos réis” (ainda falavam em mil-réis, mas já era escudos), “Quem dás mais?”… Ouvia-se uma voz lá do fundo do Adro: “dez mil”. E o Ti-Guerrilha teimava: “Quem dá mais?”. “Dez mil – uma”; “Dez mil – duas”; ouvia-se outra voz: “dez mil e quinhentos” (10$50) e lá voltava ele ao princípio. Logo que visse que o preço arrematado estava justo, dizia: “uma”, “duas”, “duas e meia", e.... "três”. E entregava.

7 comentários:

Mariita disse...

Bonitas recordações e vivências de um povo que gostava (ainda gosta) muito do Santo António, mesmo que já não encha o altar com ofertas. Mas que era bonito de ver, lá isso era. E a gula que despertavam? Como havia de ser possível prestar atenção à missa... e em Latim... valha-me Deus! Com tais manjares ali a lançarem os seus néctares... ainda me lembro de alguma dessas “tortura”… Viva o Santo António!

Anónimo disse...

Que belas e boas chouriças...Que tempo aquele que não pode voltar mais. As chouriças de agora....Brrrr. não prestam.
Ó sobral filho tens alguma foto dos Ramos uma espécie de cruzes ou cruzetas com uns pregos espetados e onde se dependuravam morcelas,chouriças e bocados de entremeada e de carne gorda depois de pasados pela salgadeira e que se ofereciam no Dia de Ramos? Costumavam estar à Porta fundeira da Igreja? Para mim isso era um espectáculo!.

sobralfilho disse...

Mariita,

Dizia-se no Sobral naquea época "Em Latim... e quem não sabe fica asssim..."
E a Missa em latim até era bonita principalmente os cânticos gregorianos. E voltando às chouriças... aquelas eram chouriças a sério...

Anónimo,

De facto os Ramos enfeitados com aquelas flores, eram um espectáculo...

Não, não tenho fotos, com pena minha, dos Ramos.

Fernando Pereira disse...

Nesta foto vemos o ti Antonio Pinto Geraldes,a praticar uma das muintas artes que desmpenhava sempre disposto a ajudar na Igreja ou no povo.

sobralfilho disse...

Pois é, Fernando Pereira, de facto o Ti-António, vizinho dos teus sogros, era um colaborador nato nas tarefas relacionadas com a Igreja.

Cumprimentos

Serranita disse...

Que lindo relato duma vivência, que já não presenciei e dum breve resumo da história do Santo. Mas no degrau de madeira, penso que ainda seja o mesmo, ainda eu me sentei muitas vezes. Era o lugar pros pequenitos.
Ainda hoje quando assisto à missa no Sobral, mesmo sem as ofertas,me distraio com o Santo António. Aquela imagem que já fotografei várias vezes parece que "se mete comigo". Não sei se é a expressão do Menino, se a expressão do Santo, se a sua conjugação. E no meio dos meus pensamentos lá perco umas palavritas do Sr Padre:)

sobralfilho disse...

Serranita,

E depois das "palavritas" perdidas serás perdoada: Meditar sobre o (nosso)Santo António não será certamente pecado!