terça-feira, 1 de junho de 2010

POETAS DO SOBRAL

CANTO X I Sobral de São Miguel, berço dourado, Nenhuma igual a ti, ó meu amor, Terra de meus pais, canteiro amado, Repleto de mil bênçãos do Senhor; De muitos naturais foste cantado, Em cítaras e harpas de louvor. Rezas, humilde, prostrado, ao fundo, Como que a lembrar o final do mundo. II Teus filhos comem, na dureza, o pão, Amassado no esforço e no suor: No Fundo do Lugar, no Caratão, Por todos os lugares, ao derredor, Soará sempre em nosso coração E no fundo da alma com mui fervor: Sobral acolhedor, hospitaleiro, Não há igual a ti no mundo inteiro. III Cercado de oliveiras e pinhais, Espelha-se na ribeira ternamente; Nas encostas abundam os currais Onde o gado adormece docemente; Uivam, à roda, lobos e chacais. Cães de guarda repelem ferozmente. Pode dormir tranquilo o seu pastor Da noite o sono, da manhã o alvor. IV Chiam rodados já pelos caminhos. Bois poderosos puxam pelos carros. Cantando esvoaçam os passarinhos. Deixando as plumas ficar pelos barros, Vão sem demora em busca dos seus ninhos. Pastores, além, vão limpando os tarros Ðas ferradas do leite que extraíram As fêmeas que, entretanto, já pariram. V Manta aos ombros, pífaro na sacola, Solta o pastor, pela manhã, o gado Os pais tiraram-lhe dias de escola; Vai cantarolando, alegre, no prado, Parece um mendigo pedindo esmola, Mas vive tranquilo e bem sossegado e Que breve há-de vir a libertação Quando, um dia, for chamado à inspecção. VI Sobreiras, castanheiros ancestrais, Espalham-se pelo povo em cortesia. Lembram monges em matinas claustrais Orando e laborando obra pia Do Barreiro, às Ladeiras, aos Torgais, Vão cumprindo uma longa romaria Até que um dia chegue finalmente o seu abate feito tristemente. VII Teus autarcas engordam no poder, Mas não se lhes dá de cuidar de ti. Os da Covilhã preferem esquecer «Sobral sem rei nem roque», onde é que eu li? Isto quem é que o pode ora entender!? Os da terra por aqui e por ali... Ninguém tem tempo para dedicar A tanta obra que há por realizar. VIII Ribeira de águas puras, de cristal, Como estás, de tanta poluição? Como te puseram, meu rico Sobral! Almas sem pensarem, sem coração Sem respeito nem consideração Sujam indignamente o teu caudal Tudo foi feito em nome do progresso. Tornou-se num gigantesco insucesso! IX Outrora as ruas cantavam alegria. Chafariz da Ponte era a concentração De ranchos e ranchos para a romaria: Alguns pernoitavam com mui razão E, mal a noite dava azo ao dia, Metiam-se ao caminho, pois então, Com destino ao Senhor do Colcorinho Cantado e dançando pelo caminho. X Imponente, ao centro, fica a Igreja Com sua torre desafiando o céu, Qual grito íntimo que alguém deseja, P’ra libertar-se da noite de bréu. Que todos saibam, todo o mundo veja, Dalí até ao Povo do Miléu Quanto alguém pode movido pela fé Confiado a Maria e a São José. XI Meu São Miguel, és padroeiro forte, Deste povo que canta ao desafio; Suportas, lá, na torre, o vento norte Ano após ano, ao sol e ao frio; Ninguém te inveja a dura e cruel sorte. Quando rodas e rodas, muito, a fio, Só te falta cantar: cócorócó Não sendo já tormentoso estar só. XII Defendes, lá, da tua fortaleza, O Povo rude e culto desta terra; Quando paira nos ares a incerteza Dos seus filhos irem lutar p’rà guerra, Estendes as asas com mais nobreza, Tanta quanta, por bem, teu peito encerra. Se mais não fazes é porque não podes Que água do capote tu não sacodes. XIII Quando chega o dia da tua festa, A tua imagem sai engalanada. Anjo de Portugal, cheirinho a giesta, Aldeia toda fica perfumada, Não se vê romaria assim como esta. Anjinhos saem de asa prateada, O Povo canta ao Senhor São Miguel, Defensor bendito, forte e fiel. XIV Pelas eiras estendais de milho ao sol, Juncam o chão de grãozinhos dourados; Nos salgueiros já canta o rouxinol, Melodias e ritmos bem timbrados. No horizonte, brilhante o arrebol, Deixa poisar os raios nos telhados. As crianças regressam já da escola Com os livros arrumados na sacola. XV Fumegam chaminés de telha-vã. Chega do campo o lavrador cansado. Na cozinha faz o caldo a mamä. o gato espreita, mesmo ali, ao lado. A filha põe a mesa com afã. O filho faz as contas embalado Ao som das panelas já a ferver A ceia aí está pronta p’ra comer. XVI A família dorme em colchão de palha Depois de rezar muito pelas alminhas; o cansaço provoca alguma falha. As almas nos perdoem, coitadinhas!, Deus nos acuda, nos salve e nós valha!, Rezam os pais em doce ladainha; Os filhos, esses, roncam para o lado Um sono mui tranquilo e bem pesado. XVII No cubículo amanhece cedo. o vento, sibila, frio, pelas fisgas. A mãe levantou-se muito a medo. A seguir foi a vez das raparigas. Eles ainda dormem, qual penedo. Era já tarde ao deixarem as espigas Pelo sobrado da casa espalhadas, Secando, para serem debulhadas. XVIII Novo dia retoma seu fadário. As mulheres em casa na liderança, Todos cumprindo o programa diário, Enchem o lar de abundante abastança Para prosseguirem o itinerário De partilhar a casa sem tardança. Louvado seja Deus, nosso destino! Mais que o pão, importa o amor divino. XIX Do Cabeço da Nave à Fozgiesteira, Do Carvalho, do Pereiro ao Porcim, Vai gastando este povo a vida inteira, Sorvendo o rosmaninho, o alecrim; Nas encostas da serra é canseira De amanhar a terra dura, por fim, Comer centeio com o suor do rosto, Na alma a cantar aleluias por gosto. XX Povo imortal dos teus e meus avós, Eu te saúdo, canto e venero. Vives distante, abandonado, a sós; Mas ver-te alevantado ainda espero Após tremenda luta, guerra atroz, Num grito enorme, final desespero: «Não deixem morrer meu Sobral, querido, Assim «por eles», meu grito seja ouvido! XXI Na Portela veneras Bárbara Santa, Excelsa padroeira dos mineiros; O seu martírio dá-nos alma tanta Que a trabalhar nós somos pioneiros. Quando a vida vai mal, a gente canta: (E nisto de cantar somos primeiros). Talvez para abafar a escuridão Da Madurrada ao Cabeço Pião. XXII Na Foz da Portela lava-se a gente Que não descer ao Poço das Navalhas; Todo a ano a ribeira tem corrente Mesmo se a chuva tem, por vezes, falhas; Um rego corre sempre docemente, E leva pela frente areias, palhas, Até se confundir no Forcacão Onde as ondas já fazem turbilhão... XXIII Dali, ao Zêzere, quantos saltos dá! Rola, de cascalheira em cascalheira, Pula, de cascata em cascata, já; Juntando-se às águas da Panasqueira E a outras mais qu’inda correm por lá, De boa companhia e cavaqueira, Fazem o grande Tejo transbordar E vão morrer, raivosas, no alto mar! (In Cantando os Hermínios, de Pe. António Pinto da Silva, edição do ano 2000 da Câmara Municipal de Penamacor) Nota: Soube da existência deste livro passados alguns anos depois da sua publicação. Por motivos vários e principalmente por não ter sabido procurar nos sítios certos só agora, passados 10 anos da sua publicação, me vem às mãos. Livro composto por 10 Cantos de exaltação à Serra da Estrela, sendo o último dedicado ao Sobral.

5 comentários:

Anónimo disse...

O melhor e mais lindo poema Lirico ao nosso terrao Natal, escrito pelo maior poeta Sobralense. O SR. Padre Antonio Pinto da Silva.

Para quando uma homenagem mesmo
postuma?

Começa a ser tempo de serem reconhecidos esses grandes vultos da nossa terra... do Sobral.

sobralfilho disse...

Anónimo,

É uma boa ideia. Contudo, nos tempos que correm não será fácil.

Mariita disse...

Um grande obrigado por esta publicação, que muito me sensibiliza, precisamente em vésperas do aniversário natalício do autor, que se fosse vivo completaria 78 anos, a 6 de Junho.

Quanto a homenagens: amigos de Aldeia de João Pires e não só, fizeram-lhes em vida e, mais recentemente, nas bodas de oiro sacerdotais. Porém, tenho a certeza que a melhor homenagem a meu tio é que não seja esquecido e que continuemos a falar dele como se presença viva continuasse no meio de nós. E é assim que eu o sinto!

Manuel Faustino disse...

"Ninguém é profeta na sua terra"! Caro Sobralfilho: a minha gratidão pela divulgação neste sítio de um dos Cantos do Livro «Cantando os Hermínios», da autoria do meu Tio, Pe. António Pinto da Silva, o Canto que ele quis dedicar à sua Terra que muito amava e onde tencionava regressar para «adormecer no Senhor». Não concretizou este seu último sonho. E custou concretizar o sonho de publicar os seus X Cantos de «Cantando os Hermínios», que posses para ser «editor de obra de sua autoria» não tinha e as Editoras só se interessam por «new waves»! Foi a Câmara Municipal de Penamacor - e não a Câmara Municipal da sua Terra - que lhe proporcionou a concretização desse sonho e o tornou tão feliz como quando, em criança, correu a serra atrás das cabras... Também por isso não hesitei, um pouco na qualidade de seu Testamenteiro, em doar toda a sua biblioteca a essa mesma Câmara Municipal de Penamacor, onde hoje, na Sala Pe. Pinto da Silva, os seus livros estão à disposição de quem os queira ler: Amor com Amor se paga; e os meus, se os meus filhos os não quiserem, como parece quase certo, lá irão parar, ainda em agradecimento por aquilo que a CM de Penamacor fez pelo meu Tio. E, como diz a minha Irmã, no post que já aqui deixou, a melhor homenagem que lhe podemos fazer é, como Ele, «passar fazendo o bem»! O resto é, como o Vate Maior cantou, «glória vã». Em todo o caso, o teu gesto, Sobralfilho, enobrece-te e nós, a Família, só podemos estar-te gratos por esta magnífica transcrição.

Um Abraço
Manuel Lopes da Silva Faustino

sobralfilho disse...

Manuel,
E eu também fico grato pela vossa gratidão!

Desde que conheça ou me sejam dados a conhecer,poetas,escritores ou seguidores de outras formas de arte, que sejam do Sobral,terão sempre espaço, na simplicidade deste blogue.