segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ESTE QUASE... É QUASE VINDIMA!

O garoto sentia frio. Por isso, enterrou mais a gorra preta que tinha na cabeça. A guieira, nesse dia de fins de Setembro, estava ali, mesmo em cima na serra de Carvalho, com a sua molinha, o seu vento: ora suave, ora a agreste, mas sempre gelado. E logo, nesse dia, que o garoto, para se armar em forte, além das calças só tinha vestido uma camisa já muito ruçada. Estava ao pé duma videira bastarda e o seu avô, João, nunca mais vinha. E a ocasião para comer um cacho tardava. Aquela videira era a única onde o garoto tinha toda a liberdade de tocar. Nas outras, de casta tinta-fina, não. Estas eram somente para fazer vinho. Esta era a regra. E não podia ser quebrada e… logo nesse dia que o avô andava por perto. Pacientemente esperava. Entretanto, o seu avô chegou. Trazia uma bolsa de linho, com pão centeio e um bocado de presunto. Chegou todo contente. E dizia que os cachos estavam maduros e que por isso dariam uma boa cor ao vinho quando os juntasse com os Mortágua da Fojasteira. Também se queixava de ter as mãos leseas. A culpa era do raio do cabo da sacha que estava limado pelo uso e mãos suadas, muitas mãos suadas… Finalmente, comeu. Comeu primeiro um cacho, bago a bago, com o centeio e lentamente… ia pensando no presunto.

O pai, João, filho do seu avô, João, ficara em casa, na loja, a preparar o vasilhame para a vindima. Aquela loja velha e escura era um mundo… um mundo velho: As paredes nuas e negras. Havia teias de aranha, é certo. Mas, também havia coisas boas, muito boas: O pote do mel, o pode das chouriças, o pote dos queijos, os potes da aguardente, as arcas da farinha, a salgadeira e, finalmente, a dorna e as pipas. Estas durante uns dias foram repetidamente molhadas com água da fonte para incharem. Quando o garoto, a quem chamavam Tonito, chegou, João, tinha ensebado a dorna, a pipa grande – 40 almudes, e a pipa pequena. E preparava-se para entrar na pipa maior para lhe esfregar em toda a superfície interior pedaços de marmelos que tinha numa bacia, sem molestar o tarro da pipa. O tarro da pipa era importante para fazer bom vinho. E com os marmelos ficaria um sabor frutado, dizia. A vindima, aproximava-se, estava quase!

De seguida, foram, os três homens, almoçar: Bucho. Feijão encarnado com couves, tudo bem regadinho com azeite. O garoto, Tonito, já não sentia frio. Teve direito a meio copo de vinho!

3 comentários:

Mariita disse...

Sempre a deliciar-me com "contos" verdadeiros e experiências de vida tão carregadas de intensidade, que quase me sinto "no meio" de tudo. Bem-haja!

sobralfilho disse...

Mariita,

Às vezes tenho dúvidas se não serão mais banalidades, em face dos silêncios. E amiúde sinto este vento agreste, transversal à minha infância,que afasta os silêncios.

Mariita disse...

Pois que os silêncios não lhe "cortem" a inspiração e os ventos -hoje- varram para bem longe palavras que "quebram" silêncios mas nada me ensinam.