quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Saga do Sanatório… a sua vandalização ou, já agora, a sua (presumível) recuperação! - 2

[Imagens (papel timbrado usado na época) e foto gentilmente cedidas pela Sra. Francelina Alves, filha do então empregado José Francisco de Amorim, falecido em Outubro de 2005 ao qual tardiamente presto a minha homenagem pela sua simpatia e disponibilidade para com os doentes]
Confiro, assim, que a sua saga (pasme-se) começou antes do princípio! Ou seja, antes de exercer a função para a qual foi construído… Uma espécie de pescada que antes de o ser já o era. Conta já com mais anos de abandono do que de vida útil. Não valorizando a sua utilidade no que concerne aos Carnavais do Sr. Pinho e Encontros Nacionais de Motards, nem contabilizando a sua utilidade como suporte de alojamento aos refugiados das antigas colónias, temos: 25 anos de vida útil e 50 anos de abandono. Parece pairar sobre o edifício, um fado triste e trágico... E ele que foi (também) a minha rua, o meu campo de futebol – a minha casa: Dói-me…
O meu campo de futebol, aliás, o nosso campo de futebol, a nossa pista de atletismo, era o corredor do Segundo Andar. Meu, do Tó do Barco, do Zé do Teixoso e do João das Minas de São Domingos (Alentejo) – “os camisolas vermelhas”. O Dr. Júlio de Vasconcelos, médico e chefe do Serviço, para nos conhecer ao longe e de imediato nos identificar, em face duma qualquer tropelia que individualmente ou em grupo fizéssemos, comprou-nos camisolas de gola alta e vermelhas: “foram os camisolas-vermelhas” e lá vinha o castigo. Proibidos de ver televisão ou cinema, de ler o Cavaleiro Andante ou de frequentar a biblioteca, conforme a gravidade do acto. Na cantina, também naquele andar, nunca podíamos entrar. Ali jogava-se às cartas e bebiam-se bebidas não alcoólicas (já não tenho a certeza se havia por lá alguma cervejita!). Um quarteto de catraios que no início da sua adolescência, esquecidos da dor causada pela separação dos seus familiares, e indiferentes, por enquanto, às “maleitas” que transportavam, sentiam as mesmas necessidades dos demais rapazes saudáveis, seus amigos, que ficaram nas suas Terras de origem: Brincar, correr, jogar futebol, experimentar fumar e perspectivar uma longa caminhada pela vida…
As eleições para a Presidência da República a que se candidatara o General Humberto Delgado tinham ocorrido a 8 de Junho de 1958 ainda davam que falar e assim, naquele granítico edifício onde e eu e o Tó do Barco entramos, pouco tempo depois, no mesmo dia e hora, transferidos do Sanatório Antonino Vaz de Macedo, que funcionava de trás do Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã, onde funcionou há poucos anos o Centro de Doença Mental, aprendemos a ouvir a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre. Muitos colegas, adultos nitidamente influenciados pela curta existência da Rádio Pinóquio, gerida pelos doentes com predisposição para esta, ainda, nova forma de comunicar e que, segundo se crê, emitia do 3º. Andar e que terá deixado de funcionar por razões profilácticas, tinham aparelhos de rádio e outros galena (rádio construído artesanalmente com relativa facilidade) com compridíssimas antenas exteriores com uma das extremidades fixa nas diversas argolas de ferro que abundavam na parede entre o 2º e 3º. Andares e outra nas árvores de fronte do Sanatório.
(continua)

4 comentários:

Mariita disse...

Sobralfilho, esta sua memória é de ouro! Mais uma vez, a incúria o desleixo e a pouca vergonha são o retrato negro do património nacional…
Será que um dia haverá remédio?

sobralfilho disse...

A procissão ainda vai no Adro e, como tal, não sei se será mesmo desta vez que a obra (re)nasce.

aamorim disse...

Conheço um pouco da história deste Sanatório, tambem aqui fui um pouco menino, noutros tempos posteriores ao seu relato pois os meus pais foram lá empregados e contaram-me alguns factos a que faz referência, o tempo da rádio, galenas etc. Obrigado por deixar o resgisto das suas memórias desse tempo já ido.

sobralfilho disse...

OK, aamorim,

Concluo que é filho do Sr. José Amorim. Dele guardo as melhores recordações.
Cumprimentos,