(…) Entre a Quinta da Taberna e o
Covão da Ponte, repousa um lugar coberto de campos de centeio. Em Nossa Senhora
da Assedasse, o vento é aroma de distância. Uma pequena capela descansa rodeada
de nada e de tudo. Campo a perder de vista, destinos e horizontes maiores a
serem arquitectados no olhar dos pastores. É ver rostos a congeminar fugas.
Em
volta da capela, faz-se a romaria das ovelhas, para polvilhar a sorte. Abençoar
vida ruim. A romaria é confirmação. O que aqui está é a vida e daqui apenas se
foge com o olhar. Tilintam os chocalhos e o rio corre sem sobressaltos,
exceptuando dias de cheias, em que toma outra vida.
Os caminhos com sabor a terra estendem-se rumo
ao Covão da Ponte. Nas encostas do Vale de Manteigas, José Martins Sabugueiro
partilha com o ar viagem doce. Nas horas menos irrequietas, solta o pensamento
e segue rumo a lugares sem fronteira. Mas vida de pastor é estar alerta. Os
rumos desenhados com o olhar têm hora limitada. A sua voz há-de cobrir todos os
dias estas encostas. “Eh anda cá, Já estás com pressa”. O cajado rompe no ar,
sempre que alguma ovelha envereda por rumo proibido.
José
Sabugueiro é José Paisana. É assim, que é conhecido nestes lugares que já lhe
pertencem. Nasceu na década de 40, época em que o destino chegava cedo demais.
Apesar de ter estudado até à quarta classe, tinha 16 anos quando começou a
guardar o gado, definitivamente. Haveria ainda de passar pela Guiné-Bissau,
entre os anos 65 e 70. Tempos que não lhe deixam saudade.
Da memória
esburacada pelo tempo, José Paisana guarda sobretudo manhãs de inverno. Mantas
sobre o corpo, e pés que não conhecem descanso. O cajado na mão enterra-se na
terra a ajudar o caminho. (…)
[Capítulo 1/ Catarina Pinto, fls.33/34]
In “ESTÓRIAS DO MONDEGO”
escrito por Catarina Pinto, Catarina Perlhaz, Raquel Carvalho, Joana Moura e
Mariana Pardal, com a coordenação de João Figueira, docente da FLUC, e reportagem
fotográfica de Carlota Ribeiro, Raquel Carvalho, Gonçalo Ermida, Joana Moura e
José Pedro Fernandes, Edição: Ideias Concertadas
3 comentários:
Obrigada :) Sem ti não teria encontrado José Paisana.
Tenho/temos de voltar à Senhora de Assedasse, com "Estórias do Mondego" debaixo do braço, quando os dias andarem mais assedados.
Bom dia para aí, Catarina.
Tens de me deixar ver o livro no próximo fim de semana.
Abraços nossos
Gabriela
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