quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

ESTÓRIAS DO MONDEGO

                                                                                               


(…) Entre a Quinta da Taberna e o Covão da Ponte, repousa um lugar coberto de campos de centeio. Em Nossa Senhora da Assedasse, o vento é aroma de distância. Uma pequena capela descansa rodeada de nada e de tudo. Campo a perder de vista, destinos e horizontes maiores a serem arquitectados no olhar dos pastores. É ver rostos a congeminar fugas.
Em volta da capela, faz-se a romaria das ovelhas, para polvilhar a sorte. Abençoar vida ruim. A romaria é confirmação. O que aqui está é a vida e daqui apenas se foge com o olhar. Tilintam os chocalhos e o rio corre sem sobressaltos, exceptuando dias de cheias, em que toma outra vida. 
Os caminhos com sabor a terra estendem-se rumo ao Covão da Ponte. Nas encostas do Vale de Manteigas, José Martins Sabugueiro partilha com o ar viagem doce. Nas horas menos irrequietas, solta o pensamento e segue rumo a lugares sem fronteira. Mas vida de pastor é estar alerta. Os rumos desenhados com o olhar têm hora limitada. A sua voz há-de cobrir todos os dias estas encostas. “Eh anda cá, Já estás com pressa”. O cajado rompe no ar, sempre que alguma ovelha envereda por rumo proibido.
José Sabugueiro é José Paisana. É assim, que é conhecido nestes lugares que já lhe pertencem. Nasceu na década de 40, época em que o destino chegava cedo demais. Apesar de ter estudado até à quarta classe, tinha 16 anos quando começou a guardar o gado, definitivamente. Haveria ainda de passar pela Guiné-Bissau, entre os anos 65 e 70. Tempos que não lhe deixam saudade.
 
Da memória esburacada pelo tempo, José Paisana guarda sobretudo manhãs de inverno. Mantas sobre o corpo, e pés que não conhecem descanso. O cajado na mão enterra-se na terra a ajudar o caminho. (…)
 

[Capítulo 1/ Catarina Pinto, fls.33/34]
In “ESTÓRIAS DO MONDEGO” escrito por Catarina Pinto, Catarina Perlhaz, Raquel Carvalho, Joana Moura e Mariana Pardal, com a coordenação de João Figueira, docente da FLUC, e reportagem fotográfica de Carlota Ribeiro, Raquel Carvalho, Gonçalo Ermida, Joana Moura e José Pedro Fernandes, Edição: Ideias Concertadas

3 comentários:

Unknown disse...

Obrigada :) Sem ti não teria encontrado José Paisana.

zef disse...

Tenho/temos de voltar à Senhora de Assedasse, com "Estórias do Mondego" debaixo do braço, quando os dias andarem mais assedados.
Bom dia para aí, Catarina.

gabzia disse...

Tens de me deixar ver o livro no próximo fim de semana.
Abraços nossos
Gabriela