quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Inquéritos Pombalinos – continuação

(Quadro 13 - Párocos)


(Por Gabriel dos Santos)

E - LENDAS, MILAGRES E TRADIÇÕES

Seria de admirar em terras de tão arreigado misticismo e povos devotados a romarias se não aparecesse o elemento miraculoso.
Assim, os párocos informam da existência de imagens rodeadas de uma aura popular. Na Covilhã veneravam-se duas relíquias do Santo Lenho, em Stª Maria e S. Martinho. Na igreja do Salvador existia um crucifixo cuja devoção, por ser recente, não entrara ainda no domínio das lendas.
O objecto de culto era um pobre Cristo de Madeira sem pintura. Pertencia a um cristão velho. Em Janeiro de 1753 os seus donos emprestaram o crucifixo a uns vizinhos da nação judaica por altura da administração do Viático a um enfermo. A mulher, ao receber de volta a cruz, verificou na perna direita da imagem umas gotas de sangue que pareciam três picadas de agulha, e uma mancha na perna esquerda.
Temerosa, ocultou o caso a seu marido e tentou lavar a imagem. No dia seguinte o próprio marido viu o fenómeno.
Assustado, lembrado, porventura, dos rigores da Inquisição para com os profanadores de imagens sacras, o casal foi ter com o prior do Salvador. Este não lhes concedeu grande crédito e pediu o crucifixo.
O casal, não se atrevendo a tocar na imagem, rogou ao prior que a fosse buscar a casa. Ele assim fez após muita insistência.
Levando consigo a cruz, o prior fez-lhe um exame mais rigoroso vindo a encontrar outros sinais sob a coroa de espinhos.
Tentou lavar as manchas com água, vinho e álcool, mas elas mais se avivaram. Pediu então a um médico que visse a qualidade das manchas, o qual ficou em dúvida se seriam de tinta ou sangue.
Não querendo a imagem em casa, o casal colocou-a no altar mor da igreja.
Apesar das diligências serem feitas em segredo o povo começou a murmurar sobre o crucifixo e a pedir-lhe remédio para os males que padecia, verificando o bom acolhimento às suas preces sob a invocação do Salvador Crucificado. As manchas mantiveram-se algum tempo, tendo desaparecido antes de 1758.
Na Boidobra existia a ermida de Nª Sª da Estrela ligada ao aio de D. Afonso Henriques.
Andava Egas Moniz pela zona da Estrela, possivelmente dirigindo a reconquista da região beiroa, quando lhe surgem dois ursos. Ferindo uma das feras o cavaleiro recolheu-se a uma cavidade onde melhor se defenderia. Ao entrarem atrás de Egas Moniz os ursos morrem fulminados. Chamando os seus companheiros o senhor de Ribadouro contou o feito miraculoso. Procurando na cavidade encontraram a imagem de Nossa Senhora à qual dedicaram uma cape-la.
É curioso verificar como idênticas lendas se espalharam por todo o país e não serão mais que reminiscência do culto cristão durante o domínio árabe sob um ar de secretismo.
Outra lenda da luta contra a moirama se liga à ermida de Nª Senhora das Luzes em Orjais.
Naquele sítio se ergueu, diz a tradição, a cidade de Argel. Nos seus campos encontraram-se moedas do imperador Antonino e pedras com letreiros da época de César.
Neste local, conta a lenda, se travou uma batalha entre cristãos e mouros, viria rompendo a aurora . Após a invocação de Nª Senhora os mouros foram vencidos e os cristãos ergueram a ermida.
A propósito dos romanos, o prior do Teixoso faz notar que na sua freguesia se encontram vestígios de povoações antigas. Nos campos descobrem-se muitos restos de pedras lavradas, colunas, tijolos, canos e sepulturas antropomórficas abertas na rocha, antiguidades que atribuiu aos romanos ou mouros.
Falando ainda do maravilhoso não esqueçamos o carvalho que sombreava o cruzeiro situado no local da desaparecida ermida de Stª Luzia, no Teixoso. Esta vetusta árvore tinha o invulgar costume de ter duplo ciclo anual.
Perdendo a folhagem no princípio do estio voltava a cobrir-se de uma copa verdejante.
Outro facto curioso se passava no sítio dos Barros, no Peso. Semeado o campo de centeio, na altura de espigar uma fita de vara e meia secava pelo meio da seara.
Atribuía-se a curiosidade a ter por ali passado uma grade de ouro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Adorei!
A imaginação de outras eras, tão fértil e prodigiosa é uma riqueza, e transporta-nos para um mundo
onde quase se pode tocar o céu com as mãos.

sobralfilho disse...

...e assim sobrevivemos!