sábado, 16 de fevereiro de 2008

Poetas do Sobral





DO TEMPO QUE VIVEMOS JUNTOS


DAS NOITES É QUE EU GUARDEI RECORDAÇÕES
dos dias não
porque não havia um passo a mais
na monotonia das horas
nem um grito a menos no bulício das praças.

eram dias iguais
hora por hora homem por homem
e os nossos gestos geralmente
nunca tinham nada de novo para os outros

até o horário do emprego
continuava com os olhos sobre nós
às nove horas e às duas horas
(à saída não era preciso)

e se era
ouvíamos logo palavras gastas
caírem sobre nós, quando nos aproximávamos
da porta.

nas noites não era assim
não havia horários a cumprir
nem havia as mesmas caras paradas
na mesma rua
nem os sinaleiros mandavam em nós
nem os carros.
além disso
havia homens embriagados a atirar palavras
inconscientes às pedras da rua
enquanto nós mediamos a profundidade
dos becos e das horas.

da lua não te falo
por já saberes como ela existe
no meu mundo.

Carlos Ortil

(pseudónimo de António Lopes Paiva)
(Publicado no HEY-JUVE, nº. 8 – Verão de 1969)

5 comentários:

Gi disse...

Não conhecia o poema nem o poeta. Obrigada pela partilha e também pelas palavras deixadas em tempos no meu blogue. Não respondi mas li e senti. O meu tempo disponível diminui drasticamente só por isso ainda não tinha retribuído a gentileza. Obrigada por tudo.

Um beijinho e bom fim de semana

Anónimo disse...

Outro tesouro!
As gentes do Sobral são mesmo uma caixinha de surpresas!
Também não conhecia, mas espero que venham mais para nosso conhecimento e regalo.

sobralfilho disse...

GI e Mariita,

Como disse, Carlos Ortil era o pseudónimo de António Lopes Paiva, nasceu no Sobral e cedo se revelou dotado de qualidades promissoras no campo da literatura (poesia e prosa) e das artes (pintura). Despertou a atenção de Alice Vieira/Mário Castrim, sendo ela coordenadora do suplemento “Juvenil“ do Diário de Lisboa, nos finais dos anos (19)60/70, (verdadeiro alfobre de indivíduos que se vieram a destacar na literatura, nomeadamente, Hélia Correia, José Agostinho Batista, José Freire Antunes) culminando com a publicação de alguns artigos seus naquele suplemento. Na pintura, centrou-se no estudo da cor, enquanto seguidor da corrente aguarelista. Expôs com assinalável êxito os seus trabalhos na sede do Grémio do Comércio do Concelho da Covilhã, Belmonte e Penamacor.

Nos princípios dos anos 70, conheceu o caminho voluntário do exílio, tendo-se fixado no Luxemburgo, onde teve um papel relevante na estrutura sindical, no campo dos direitos e da integração dos emigrantes no Luxemburgo, razão pela qual foi condecorado em 1983, pelo então Presidente da República Portuguesa, Ramalho Eanes.


GI,

Sei que o seu tempo é precioso. Por isso o respeito tanto. Entro e saio discretamente. Mas, naquele dia senti a necessidade de quebrar a regra. Eu
é que lhe estou grato pela sua partilha da beleza e do conhecimento.

Um beijo e óptimo fim de semana

Anónimo disse...

Bem haja!
Cada vez que aqui venho
sinto que sei tão pouco...

famel disse...

Poderia Carlos Ortil brindar-nos com algum novo poema? De certo teria lugar nesta bela "casa"